NO DIVÓRCIO E NAS SEPARAÇÕES COM QUEM FICAM OS PETS ?

 

                                                           


                                                                         

Os animais de estimação ou animais domésticos, como também são chamados, ocupam, atualmente, espaço privilegiado em nossos lares, fazendo parte integrante da família, onde recebem todos os cuidados, atenção, carinho e participam efetivamente de momentos tristes e alegres do grupo familiar.

 Lembro de um episódio marcante, publicado na mídia, sobre o incêndio no apartamento em Copacabana no Rio de Janeiro do marchand e colecionador de artes Jean Boghili, onde foram perdidas valiosas obras de arte, dentre elas de Di Cavalcanti, Guignard e Rodin, dentre outros, mas, segundo ele, a maior perda foi a de sua gata de estimação de nome Pretinha, que dormia ao lado de sua cama todas as noites, e morrera no sinistro.

 Realmente, tal manifestação só vem reforçar a importância e o vínculo que se constrói com esses animais de estimação. No caso referido foi a perda por uma fatalidade, mas como ficam esses animaizinhos no momento do divórcio, da dissolução da união estável ou no final de um namoro de um casal? qual dos companheiros fica com a guarda? como ficam as visitações ou laços de convivência? E os custos de sua manutenção, tais como: alimentação, saúde, cuidados? Eis uma questão que terá de ser resolvida, pois ela chega, cada vez com mais freqüência, aos nossos escritórios e depois ao judiciário, que terá de dar uma decisão.

Vale lembrar que num passado não tão distante, o então ministro Antonio Magri surpreendeu o Brasil, dizendo que seu cachorro também era gente, e que merecia sua atenção e seu tempo para acompanhá-lo ao veterinário, e, na época, houve uma reação geral, criticando-o pelo excesso de sentimento e ultraje à condição humana.

 Hoje, pelo que se vê e se observa, não chocariam tanto suas palavras, já que os animais estão conquistando cada vez mais espaços, direitos e considerações no seio das famílias, não só daquelas que possuem crianças, mas principalmente daquelas famílias sem filhos, dos solteiros e dos que vivem só.

 Também vale lembrar, outros episódios marcantes, como àquele em que o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, utilizou o prestígio dos animais de estimação para torná-los cabos eleitorais de sua campanha pela reeleição daquele país. O poeta Ferreira Gullar dedicou um livro ao seu gato siamês: “Um gato chamado gatinho”. E ficou de luto por muitos dias, após o falecimento daquele felino tão querido. “Era um gato tão inteligente, que pensava e fazia artes. Só não falava, mas tinha vinte miados que expressavam seus desejos”, afirmou.

 Na literatura e no cinema, são muitos os exemplos em que aparece a figura de um gato ou de um cachorro como integrantes do enredo dos contos, romances e poesias, o que não difere da vida real, quando muitos animais adoecem diante da moléstia de seus donos e até acampam em frente a hospitais onde eles foram internados ou em cemitérios onde eles foram sepultados, em verdadeira demonstração de devoção e carinho.

 Não obstante a ausência de regramento sobre o tema, tramita no Congresso Nacional, alguns projetos de lei disciplinando a guarda de animais de estimação no momento do divórcio do casal, inclusive na forma de guarda compartilhada e de regulamentação do direito de visita (convivência), mas cujos conteúdos, ainda deixam muito a desejar.

Essa discussão não é novidade nos processos de separações/divórcios/namoros e em muitas vezes ocorrem acirrados debates. É que os animais estão suprindo a carência de afetos e a solidão das pessoas e, até mesmo a opção em amá-los. E não seria exagero dizer que, atualmente, esses animais queridos são também membros da família e tratados até com a consideração de filhos.

 Nessa esteira, os tribunais vêm se manifestando, na maioria dos casos, invocando a analogia com as previsões legais que regulamentam a guarda e convivência de filhos, afastando qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo das Cortes de Justiça. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal (REsp 1713167/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 19/06/2018).

 As despesas para manter um animal de estimação em casa chegam perto dos custos com um filho e, às vezes, até mais, pois, além da alimentação apropriada, tem o veterinário, as vacinas, outros medicamentos, a higiene, as roupinhas, os brinquedos, os acessórios. Basta ter um pouco de sensibilidade para constatar a grandeza desse sentimento que desperta um animal doméstico. Alguns já têm quartos próprios, dentistas e especialidades médicas para cuidá-los e deixa a família e, principalmente, as crianças em desespero quando adoecem ou desaparecem.

Não é raro acompanharmos pela imprensa, o desespero de pessoas que foram assaltadas e que tiveram seus veículos roubados com os pets em seu interior.

Atualmente a terminologia usada para esses animais criados em casa é animais de estimação e animais domésticos. Entretanto, essas expressões tomaram um sentido mais profundo, atingindo o afeto, esse catalisador da química familiar, tornando-os membros da família, dando e recebendo muito amor e carinho.

Apesar de toda a corrida do mundo moderno em que vivemos, ninguém pode viver sem dar ou receber afeto. E por falta de gente, de parentes e amigos, ou por opção, essa força do sentimento reprimido que se acumula no coração de uma pessoa volta-se para um ente irracional que, por intuição natural, capta essa dedicação e sabe explorar esse privilégio. De fato, esses animais estão passando à categoria de filhos socioafetivos. Nos amam incondicionalmente e nos entendem. Muitos só faltam falar!

Saudaremos num futuro bem próximo uma legislação que regulamente os direitos desses “entes” tão queridos no momento do divórcio ou separação de seus donos, possibilitando uma composição harmoniosa onde possam continuar convivendo com quem lhes amam e lhes são importantes, apesar da ruptura do relacionamento do casal. 

Delma Silveira Ibias 

*Advogada, Diretora da Ibias & Silveira –Advogados (OABRS 7.751),

* Mestre em Direito, Professora Universitária,

*Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM/RS *Julgadora do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS,

*Diretora do Instituto dos Advogados do RS – IARGS.

*E-mail: dibias@outlook.com.br

 

 

 

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